Será que podemos traçar uma linha é dizer que de um lado somos salvos e do outro não? Será que salvação realmente constitui nisso? Muitos teólogos e pensadores têm tratado o pecado dessa forma, você peca e vai pra um lado, pede perdão (alguns chegam a dizer que se você faz algo bom) vai pro outro, é como se as pessoas ficassem oscilando entre estar ou não salvas; quem segue essa linha vive tentando passar a maior parte do tempo no lado de estar salvo, para ver se da a “sorte” de quando Jesus voltar ou a pessoa morrer, ela esteja salva. Essa teoria tem destruído a fé de muitas pessoas, que vivem se martirizando por ter pecado, e vivem assustadas, procurando fazer várias coisas na igreja para “comprar” sua salvação. Este ato não é facilmente percebido, pois muitas vezes a própria pessoa não se da conta disso, mas basta um olhar mais cuidadoso para perceber que muitas pessoas estão na igreja por medo do inferno.
C.S. Lewis escreveu (Cristianismo puro e simples): “O mundo não consiste em cem por cento de cristãos ou em cem por cento de não-cristãos. Há pessoas (uma grande quantidade delas) que estão lentamente deixando de ser cristãs, mas que ainda respondem por esse nome; entre elas, algumas são religiosas. Já outro tipo de gente está lentamente virando cristão, embora ainda não responda por esse nome.”. É bom perceber que em momento nenhum o autor diz que as pessoas são salvas sem aceitar Jesus.
Mas será também que, dizer que a pessoa não pode perder a salvação, não é tirar o livre arbítrio, dado por Deus a essa pessoa? Todos nós temos a escolha de pecar e de nos afastar de Deus. Muitas pessoas aceitam Jesus, mas não desenvolvem a fé, e simplesmente escolhem não querer Deus mais, por que acham o pecado mais prazeroso ou por que não é fácil ser cristão (basta lembrar da parábola do semeador em Mateus 13). Será que temos o direito de dizer que por que a pessoa se desviou não foi o Espírito Santo que trabalhou nela? Ou que toda a experiência que ela teve foi falsa? E que ela nunca foi cristã de verdade? Ou, por outro lado, será que podemos dizer que a pessoa será salva mesmo estando longe de Deus? Deus vai obrigá-la a voltar para casa? Será que podemos dizer que todo verdadeiro cristão voltará para casa? O que é verdadeiro cristão? Será que ao dizer que quem se converteu de verdade sempre será salvo, não estamos sendo juizes demais ao julgar a experiência de salvação da pessoa?
C.S. Lewis também escreve: “Quando comparamos cristão e não-cristãos de uma forma genérica, geralmente não estamos pensando em pessoas reais, e sim em idéias vagas que extraímos de novelas e jornais.”. Temos que ter cuidado ao fazer julgamentos, por que em geral, não pensamos em nós mesmos ou nas pessoas que conhecemos, mas levamos nosso pensamento para longe. Não olhamos como pessoas reais, que pecam, que tem momentos de fraqueza e que precisam de ajuda. Tendo, algumas vezes, a tendência achar que devemos ser super-crentes, que não ficam tristes, nem doentes, nem tem sua fé abalada por nada.
A melhor forma de se ver a salvação é como um processo, “de glória em glória, de fé em fé” (2 Co 3.18). Basta um pouco de leitura bíblica para perceber que a fé tem que ser desenvolvida. Como não há uma linha pra dizermos, a partir daqui eu perco minha salvação, devemos ter cuidado por onde andamos, tomando cuidado pra não afastar de casa, por que podemos andar e dizer que a casa do pai está logo ali, e quando nos damos conta, já não podemos enxergá-la mais. Se você pode simplesmente apostatar a fé? Sim, pode. Mas o Pai vai sempre buscar a ovelha perdida, embora ela ainda tenha a opção de não voltar. Não perdemos a salvação por que pecamos um dia. Apostasia, assim como a conversão, é um processo. Assim como no segundo grau não podemos dizer que uma pessoa foi reprovada por que foi mal na última prova, não podemos dizer que alguém foi pro inferno por que mentiu pouco antes de morrer. Devemos tomar cuidado, por que há pessoas dentro da igreja com o coração mais longe (aquelas que aos poucos estão deixando de ser cristãs), do que pessoas que estão pecando lá fora, mas que por dentro, o coração arde por estar comendo comida de porcos (são aquelas que estão caminhando em direção a ser cristãs). Jesus disse que o pecado começa no coração, quando chega a ser visível na igreja, o coração já está longe a muito tempo. A pergunta certa a se fazer não é: “Se eu fizer isso, então eu perco minha salvação?”, mas “Onde está meu coração ao querer fazer isso?”.
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